Segue abaixo um curioso artigo de opinião de Jorge Fiel sobre as diferenças entre lisboetas e portuenses e mais importante do que isso, a diferente percepção que o poder político e a opinião pública em geral têm dos desaires que ocorrem em cada uma das cidades.Por outras palavras, o que em Lisboa passa despercebido, no Porto ganha auras de escândalo intolerável.
Lisboa a arder.«As cidades são diferentes, mas ainda mais diferentes são as pessoas que as habitam.» AMO o Porto, mas esta paixão deixa-me espaço para gostar muito de Lisboa. Depois de um fim de tarde no miradouro da Graça, ninguém no seu perfeito juízo pode negar que Lisboa é uma das mais belas cidades do mundo. São cidades diferentes. É fácil gostar de Lisboa logo à primeira vista. O Porto tem de se aprender a gostar. As cidades são diferentes, mas ainda mais diferentes são as pessoasque as habitam. No Premier, o «health club» que frequentava no Porto,quem chega solta um sonoro bom-dia, logo correspondido pelos que lá estão. As pessoas circulam nuas pelo balneário e conversam umas com as outras, sobre tudo e nada a bola, a bolsa, os casos do dia. Toda agente se conhece pelo nome e profissão. Ficámos todos satisfeitos eorgulhosos quando a recepcionista Conceição acabou o curso de Direito.
Trouxe para Lisboa as maneiras do Porto, mas tive de me adaptar,porque não gosto de dar nas vistas prefiro disfarçar-me na paisagem. Deixei de dar os bons-dias à chegada ao Holmes Place, porque me fartei deles fazerem ricochete nos armários ninguém mos devolvia. E para evitar olhares desaprovadores ando pelo balneário com a toalha enrolada à cintura. Gosto muito de Lisboa mas não gosto de algumas pessoas que a habitam.Não gosto das pessoas que mal sabem que sou do Porto desatam a tentar imitar de uma forma grotesca a pronúncia do Norte, entremeando uns caragos com uns ditongos ditos à moda galaico-portuguesa. Abomino a ignorância dos que se julgam sem sotaque e tomam a sua adocicada e arredondada pronúncia lisboeta como o cânone da língua, que deve parte da sua riqueza às diferentes maneiras como é falada nas mais variadas latitudes e longitudes. Gosto muito de Lisboa mas não gosto de alguns políticos que a habitam. Não gosto de um Jorge Sampaio, cujas regras de educação lhe permitiram usar o discurso de inauguração da Casa da Música para criticar os «atrasos da obra» e a «derrapagem dos custos». Não me lembro de alguém ter criticado os «atrasos na obra» e a «derrapagemnos custos» nos discursos de inauguração do magnífico Centro Cultural de Belém ou da fantástica Expo 98. Não gosto de um ministro Mário Lino, cujo código de boas maneiras lhe permitiu usar o discurso de inauguração de uma nova linha do Metro do Porto para ameaçar congelar a expansão da rede, devido aos «atrasos na obra» e «derrapagem dos custos». Não me lembro de alguém ter ameaçado congelara expansão do Metro de Lisboa na sequência dos escandalosos «atrasos na obra» do Metro no Terreiro do Paço ou da enorme «derrapagem nos custos» da estação Baixa/Chiado. Não gosto de um ministro Manuel Pinho, cujos princípios éticos são largos ao ponto de abençoar um Prime que habilmente permite o uso defundos comunitários em Lisboa, a mais rica de todas as regiões ibéricas (o Porto está em 27º lugar), de acordo com a UE. É por causa de atitudes como estas que Portugal continua a parecer um bilhar que descai sempre para um só buraco - a capital. O grito deraiva «Nós só queremos Lisboa a arder» é a expressão (grosseira) dar e volta de quem se sente discriminado. A única vacina eficaz contra esta raiva é corrigir as assimetrias que desequilibram o país.
in Expresso, caderno Economia & Internacional, 13-08-2005
Sem comentários:
Enviar um comentário